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Não há outra fila que reflita tão bem 80 anos de história de uma cidade. Pelo balcão da amergência do Hospital Miguel Couto, passa a história do Rio de Janeiro, com dramas, alegrias e outras emoções. Prestes a completar oito décadas, em outubro de 2016, a unidade já recebeu pacientes vítimas dos bondes elétricos e das navalhdas, na década de 1950, e baleados por fuzil, nos anos 1990 e 2000. Hoje, são as doenças crônicas que ocupam os leitos de um dos maiores hospitais da América Latina.


O atendimento ambulatorial do Hospital tem uma média de 2.900 casos por mês, mas o reconhecimento do Miguel Couto se deve a emergência. Somente no primeiro semestre de 2015, foram mais de 28 mil atendimentos, sete mil a mais que o Hospital Municipal Souza Aguiar, e 15 mil a mais que o Salgado Filho. Em média, cerca de 5.800 casos de emergência das atendidos no hospital, por uma equipe de 430 médicos, em um total de 1.590 funcionários.


As páginas de uma biografia carioca pós-36, ano de inauguração do Hospital, poderiam ser encontradas nos prontuários da unidade de saúde da Gávea: dos bondes aos fuzis. O Rio, capital do país até 1968, acompanhou o processo. Os bondes ainda circulavam pelas ruas do Centro - era comum e frequente, acidentados dos bondes serem atendidos no Miguel Couto, e os crimes cometidos com navalhas.


O vereador Paulo Pinheiro, ex-diretor do Miguel Couto, analisa as mudanças nos casos recebidos pelo hospital. Segundo ele, o perfil é o reflexo da época.




– O perfil do hospital vai mudando com o perfil da cidade – enfatiza.


No início dos anos 1990, no Rio, a guerra entre favelas, dominadas por facções, refletia o perfil da cidade. Até o fim dos anos 90, a violência tomava conta dos jornais e da cidade, mas, com o passar dos anos, a arma de fogo mudou. A cidade tinha poucos hospitais e o Miguel Couto, localizado na Zona Sul, recebia cerca de 20 ambulâncias por dia, vindas da Baixada Fluminense e da Zona Oeste, segundo Pinheiro, diretor do hospital na época.


– Vítimas de acidentes de trânsito, baleados, vinham para cá (hospital) porque não tinham atendimento nessas áreas. Mas, da violência surgiu um fato novo: já no fim da década de 90 a arma de fogo mudou - do calibre 45 e 38 começaram a vir às metralhadoras. Essa modificação chegou e a violência foi aumentando.


Os estragos que as novas armas faziam no paciente eram enormes, atravessavam o corpo de fora a fora, fazendo com que não fosse possível chegar com vida aos hospitais. A guerra urbana não teve uma pausa, mas os acidentados já não chegavam mais com vida. “A partir desse momento, os feridos por bala, por arma de fogo já não chegavam ao hospital. Então foi o que diminuiu o número de acidentes. As pessoas morrem no local”, afirma o vereador.


O cinema já fazia parte do entretenimento e a recepção de músicos brasileiros no exterior aumentava. Apesar dos avanços, a saúde ainda continha suas falhas. Poucos hospitais espalhados pela cidade em relação a grande violência que tomava conta do país. O Rio de Janeiro era dominado por facções criminosas que controlavam suas favelas com o tráfico de drogas. Além do Comando Vermelho (CV), a Amigos dos Amigos (ADA) foi fundada nesse tempo pelo traficante Ernaldo Pinto de Medeiros, que foi expulso do CV, dentro do complexo penitenciário de Bangu.


N os anos 2000 os avanços tecnológicos estavam cada vez maiores e, com isso, o aumento da expectativa de vida devido aos novos medicamentos e tratamentos já era realidade presente na nossa sociedade.


A mudança no perfil demográfico do país e o envelhecimento da população aumentaram a expectativa de vida. As doenças crônicas tomavam conta da população, no lugar dos feridos de guerra. “Três maiores mortes: doenças cardiovasculares (infarto etc), câncer (pulmão, próstata, mama), doenças do aparelho respiratório, violência urbana”, comenta Pinheiro.


A emergência do Miguel Couto teve que se adaptar ao novo perfil da cidade, atendendo, agora, além de acidentados da violência urbana, pacientes diagnosticados com doenças crônicas.




Entre na fila


Rosilene da Costa Lima, de 47 anos, viajou durante duas horas de Acari, Zona Norte do Rio, até o Hospital Miguel Couto, no Leblon, na esperança de diagnosticar o inchaço que persistia no pé direito. Voltou de lá frustrada por ter recebido apenas um comprimido de Dipirona. A mulher reflete um paradoxo que atravessa a história do Miguel Couto: a fama de prestar um bom atendimento atrai pacientes de todo Grande Rio, que se deslocam até a emergência do hospital por não confiar na rede de atenção básica de saúde oferecida pelo serviço público na vizinhança de sua casa, o que acaba congestionando a emergência.


Chegavam à porta do hospital pacientes baleados, feridos de acidente de carro até gripados, passando mal, o que gerava as filas gigantes. A maioria dessas pessoas não deveria estar ali e, sim, em postos de saúde mais pertos de onde moram como as UPPs e as clínicas de família.


Diante dessa questão, foram criados os CER, unidades que atendem casos clínicos. Essas unidades são localizadas ao lado de hospitais referências como o Miguel Couto, na Gávea e o Lourenço Jorge, Na Barra da Tijuca. O paciente ao chegar ao CER, passa por uma classificação: verde significa dor e amarelo é grave, muitas vezes esse não pode esperar. Os que não passaram na classificação (nem chegam a pegar a pulseirinha colorida) vão ao redirecionamento, onde são informados sobre qual local devem ir para serem atendidos.


O hospital faz, em média, 600 cirurgias por mês, entre emergências e agendadas. O comerciante Salathiel Salada trabalha há 26 anos em uma barraquinha de comida em frente ao Miguel Couto. Ele costuma ser atendido no hospital e já foi submetido a uma cirurgia vascular na perna esquerda. Apesar do tempo de espera, Salathiel considera o atendimento do hospital muito bom.


- Acho esse hospital fantástico, não sei se é porque eu vejo o sofrimento das pessoas, mas eu não tenho nada para falar ao contrário. Você não vai encontrar outro hospital como o Miguel Couto, pode ser difícil de entrar, mas quando é atendido, o atendimento é de primeira. Fiz todo o procedimento aqui e faz oito anos que operei, fora que já fui atendido por coisas básicas como sinusite, dentista.



Em quase três décadas de trabalho, Salathiel já presenciou vários casos incomuns. Ele conheceu o operário Eduardo Leite, que teve a cabeça perfurada por um vergalhão em 2012. Segundo o comerciante ele viu o operário entrando com o objeto na cabeça e depois viu o pedaço de ferro removido. Além disso, Salathiel já viu pessoas à beira da morte ou até mesmo mortas e conta que já presenciou casos constrangedores.


- Tiveram histórias bizarras, como pessoas entrando com cenouras enfiada nos anus, copos e aipins. Já vi muitas coisas estranhas e horríveis. Eu nunca me acostumo, mas sempre tento estar mais preparado.

Mas, por conta das falhas do sistema público de saúde, pacientes com diversas enfermidades, assim como Rosilene, acabavam na Rua Bartolomeu Mitre. Durante cinco anos na direção da divisão médica e oito anos como diretor do hospital, o vereador do PSOL Paulo Pinheiro já fez um trabalho de campo na porta da emergência. O médico se disfarçava na fila que se formava na calçada e, assim, pôde interagir diretamente com os pacientes e ter um retorno sobre o atendimento do hospital. Desde então, ele constatou que muitos deles não deveriam estar ali. Hoje, quem passa por ali percebe a movimentação muito menos intensa. Mas, segundo Pinheiro, essa fila ainda existe.


-A diferença é que agora ela fica escondida dentro do CER, em uma sala climatizada com direito a televisão - afirma o ex-diretor.


CER desafogou emergência


Criado em 2012, o CER foi uma forma de dividir a quantidade de pessoas que aguardavam por atendimento, porém, como pode ser visto na porta da unidade ou até como o próprio Paulo Pinheiro afirmou, ainda há uma falta de informação que causa a dificuldade de solucionar o problema.


Outro serviço a fim de colaborar com as super lotações dos grandes hospitais públicos é o SISREG. O sistema online tem a função de informar ao paciente sobre um atendimento especializado. Em até sete dias, ele dá um retorno e, inclusive, marca a consulta com o tipo de médico que o paciente precisa em uma localização mais próxima a onde mora.


No CER Leblon, deram Dipirona à Rosilene e sem mais informações, ela foi liberada. Então, o Miguel Couto parecia uma solução para um atendimento mais completo, mas o casal de produtores de evento nem chegou a ser atendido. O caso não era adequado para aquela emergência. “Viemos para cá por achar que na Zona Sul havia mais gente com plano de saúde, então seria mais rápido conseguir atendimento. Agora que não consegui resolver o inchaço do meu pé nem perto de onde moro, nem aqui, não sei o que fazer”, disse a moradora de Acari.


Ao saírem de lá, eles nos contaram sobre o caso e nós perguntamos se eles conheciam o SISREG. Indignados, eles falaram que Rosilene está há um ano na fila do sistema (para resolver uma outra cirurgia), que o serviço não funciona no prazo prometido.


- Agora vamos ter que tentar particular, mesmo sem dinheiro. Não da para deixar minha mulher com o pé desse jeito – disse André, marido de Rosilene.


Falta de renovação dos funcionários


Apesar de ser elogiada pela eficiência do trabalho, a equipe do Miguel Couto enfrenta a falta de renovação dos funcionários. Segundo a obstetra Jaqueline Montuori, de 37 anos, esse quadro é uma realidade não apenas na parte da maternidade, mas de uma forma geral no hospital. “Infelizmente, a gente tem poucos profissionais e isso sobrecarrega. Tem muita gente se aposentando agora, tanto da enfermagem quanto da parte médica, e essas pessoas vão saindo, mas o hospital não está repondo, então vai ficando essa carência e as equipe que ficam acabam tendo mais trabalho".


Jaqueline, que trabalha no hospital há seis meses, afirma que mesmo não sendo uma maternidade de ponta e não tendo todos os recursos necessários, a equipe consegue trabalhar com o que tem, e elogia a relação entre chefes e subordinados na unidade. "A nossa chefia chega junto, atua diretamente com a gente e isso é muito bacana. Não é uma relação de cima para baixo, que impõe superioridade em uma das partes, está todo mundo no mesmo nível".


Com 14 anos de Miguel Couto, Maria da Consolação Dantas, de 59 anos, técnica em mobilização ortopédica, também reclama da carência de funcionários. "Eu não gosto de trabalhar aqui. Acho que é pelo fato de eu ficar muito só. Eu fico na sala de gesso, e o ideal seria que tivesse mais um técnico comigo, mas desde que eu entrei, fico sozinha. Isso dá um certo desânimo".


Apesar disso, Consolação afirma que faz seu trabalho com carinho, e procura sempre atender os pacientes da melhor forma possível. Ela elogia o atendimento na ortopedia e o esforço da equipe para driblar as dificuldades. "O atendimento é muito bom. E o que eu vejo é que tem até gente que possui plano de saúde, mas prefere ser atendido aqui no Miguel Couto. Não vou dizer que está tudo às mil maravilhas. O atendimento público no Brasil, infelizmente, deixa a desejar. Mas aqui, bem ou mal, sempre tem equipamentos para a gente trabalhar. Eu sei que existem lugares muito piores. Às vezes falta um coisinha aqui ou ali, mas nunca as coisas essenciais. E, se às vezes faltam, a gente pode substituir. A gente nunca precisou cruzar os braços e deixar de trabalhar porque estava faltando alguma coisa".


O agente administrativo Edmilson Duarte Faria, de 53 anos, trabalha na instituição há 33 anos, e revela que a rotina é pesada, mas que depois que criaram a clínica da família e o CER, o atendimento no hospital melhorou muito. "Antes a emergência tinha muita gente. Na época em que boletim era feito à caneta, chegavam a 1.800 registros em uma só noite, e era muito mais corrido. Existia uma sobrecarga. Agora diminuiu bastante e aliviou a emergência. O atendimento clínico é feito mais no CER e na clínica da família, e o Miguel Couto atende mais traumas e acidentes".


Edmilson conta que gosta de trabalhar no hospital e destaca positivamente o setor de ortopedia pela qualidade de atendimento. Porém, confessa que algumas cenas são muito chocantes. "Eu já vi de tudo aqui dentro. Uma coisa que marca muito é quando uma criança morre. Você vê uma criança que passa mal, vem pra cá, fica internada e vem a óbito. Isso marca muito, principalmente porque eu sou pai, tenho netos e sei que é realmente uma situação muito triste. Mas eu sei que os médicos daqui sempre fazem o melhor que podem".


Atuando há dois anos na instituição, Mariana Alves, de 27 anos, médica residente de odontologia, diz que faltam alguns avanços tecnológicos, e que, mesmo tendo recursos, eles deixam a desejar. Ela relata também que já se emocionou com uma mãe que veio trazer o seu filho, morador de rua e dependente químico, com feridas na boca e miíase - uma espécie de larva que nasce nas feridas. Entretanto, ele não sentia as larvas devido ao efeito das drogas. "A mãe chova muito e falava que a vontade dela era levar ele para casa e acolher, tratar bem, mas ele não queria. Então ele foi para hospital depois de ela muito insistir, e a equipe conseguiu prestar um atendimento bem primário porque depois ele fugiu. E a mãe chorava contando sua limitação. O amor de mãe, o esforço... Isso me deixou muito comovida".


Para Mariana, trabalhar no Miguel Couto é um aprendizado muito grande. "É um referencial aqui na região, para trauma, que é a minha área e o que eu gosto. Em termos de recursos, a nível de hospital público, esse é um dos poucos que, na medida do possível tem tudo. Você não vê pacientes pelos corredores. Dá para perceber que há um comprometimento da direção e dos funcionários. Eu vejo que aqui os profissionais fazem o possível pra atender bem com os recursos que têm e estou aprendendo muito com eles".


Perigo! Animal na pista


Chegando na emergência do Hospital Municipal Miguel Couto, os enfermeiros e médicos não conseguiam acreditar no que estavam vendo, ninguém conhecia um caso parecido. A curiosidade foi tanta que até o diretor do hospital foi conferir a paciente. Em quase 80 anos de existência nenhum caso nem parecido com esse havia dado entrada no hospital. Sandra, a paciente celebridade daquela noite, conta que o atendimento foi muito eficiente e rápido.


“Eu infelizmente já tive que dar entrada na emergência do MC em outra oportunidade e meu atendimento foi muito bem feito. Fiquei tranquila quando soube que estava indo pro mesmo hospital. ”


Já era de noite e Sandra Nabuco, caminhava pelas ruas da Gávea com seu cachorro quando de repente sentiu uma pancada muito forte na cabeça e viu um bicho caindo no chão. A dor era tão intensa e incessante que ela teve medo de desmaiar e deixar seu cão sozinho na rua. Foi quando pediu ajuda a um porteiro próximo e ficou sabendo do real motivo da dor.


- A senhora está cheia de espinhos pela cabeça!


A história já seria bem inusitada se acontecesse com qualquer um de nós. Mas como as coisas não acontecem por acaso, esse bichinho foi cair logo na cabeça de uma pessoa que é profundamente ligada à natureza e ama qualquer ser vivo que aparece na frente. Conversando com Sandra descobrimos em seu jeito tranquilo e leve que pouquíssimas coisas a tiram de si, nem mesmo o acidente com o porco espinho. Ou como ela gosta de frisar.


“Não sinto que tenha sido um acidente. Eu acho que salvei a vida daquele bicho. A dele e a do meu cachorrinho. Imagina se ele cai direto no chão ou em cima do meu cachorro, os dois poderiam ter morrido. E ele não era um porco espinho, era um ouriço cacheiro. ”


Depois dessa breve correção, ela conta que sua interação com a natureza vem desde criança. Seu pai era fiscal florestal e por isso morou por muito tempo dentro do Parque da Cidade, em contato direto com a natureza. Ai você pensa “ Claro, o pai deve amar animais e passou esse amor pra sua filha. ” Errado, o pai não gosta de animais... vai entender.


O que temos que entender agora é como terminou essa história dos espinhos na cabeça. Depois de descobrir o que realmente tinha acontecido, procurou ajuda dos familiares e amigos, mas não conseguiu contato com ninguém. Lembrou dos policiais que ficavam perto de sua casa e pediu ajuda. Foi levada direto ao Hospital Municipal Miguel Couto.


O procedimento teve que ser feito sem anestesia e com muito cuidado. Os espinhos rasgam a pele se puxados, precisaram cortar todos os 233 (sim, 233 espinhos. E foi só até onde tiveram paciência de contar) para que a dor fosse mais suportável. Ela foi medicada com 3 injeções, anti-inflamatório e analgésicos. Além de todos esses remédios, Sandra foi acompanhada por médicos que a usaram para estudar os efeitos dos espinhos em um ser-humano. As consequências apareceram depois de algum tempo. Uma forte reação alérgica e dermatite aguda fizeram com que o cabelo caísse bastante. Mas nada permanente, hoje ela vive sem nenhuma sequela.


O caso é tão curioso que Sandra deu entrevistas para praticamente todas as emissoras de TV do Brasil, jornais, revistas e até para imprensa internacional. Fizeram quadrinhos com sua história, mandam presentes relacionados ao ouriço cacheiro e até uma arte com Lego foi feita em sua homenagem. Mas de todos os presentes, o mais curioso ela mesma se deu. Um colar feito com alguns espinhos retirados de sua cabeça serve de amuleto para que Sandra leve sempre consigo uma lembrança do dia que pode salvar seu cachorro e o famoso porco espinho. Ouriço cacheiro, desculpem.


De espinhos a um vergalhão de dois metros. Outro caso muito curioso e inédito que também passou pelos corredores do HMMC foi o do operário Eduardo Leite. Ele trabalhava na construção de um prédio em Botafogo, zona sul da cidade, quando um vergalhão de aproximadamente dois metros atravessou o capacete e a cabeça do rapaz.


Ele chegou na emergência do Miguel Couto consciente e conversando. Por onde passava chamava a atenção de todos, nunca ninguém tinha visto uma cena como aquela. A cirurgia durou 15 horas, os médicos reconstruíram parte do crânio e Eduardo teve perda de massa encefálica. Segundo o médico Ivan Santana, que atendeu o operário no dia do acidente, as chances de alguma sequela eram grandes.


“Ele correu o risco de ter uma paralisia em algum grau no lado esquerdo do corpo, perder o olho direito e até morrer. Acho que foi Deus, porque o objeto passou perto de todas as estruturas que poderiam levar a essas consequências e não pegou nada”


Eduardo passou apenas 15 dias internado após a cirurgia e teve alta sem nenhuma sequela grave. Mesmo depois de um trauma tão grande, ele segue sua vida sem muitas mudanças.


“Jogar bola, tem que ter cuidado para não cabecear a bola, evitar ficar muito cansado. Mudou umas coisas, mas dá para levar. Meu jeito de encarar a vida é o mesmo, acordando 4h30, indo trabalhar, voltando. É a mesma coisa”


Na história do Hospital, até a Guerra Fria


Referência médica da conferência Rio-92, o Miguel Couto se preparou para possíveis acidentes e estabeleceu uma espécie de “Muro de Berlim carioca”. Na emergência, uma sala dividida ao meio reservou seis leitos – três para o norte-americano George Bush e três para o líder cubano Fidel Castro – durante os 11 dias do evento, de 3 a 14 de junho de 1992. O encontro no Rio marcou o primeiro contato entre o republicano, que sucedia o controverso Ronald Reagan, e o líder da revolução cubana, que naquele instante representava a maior potência de esquerda do mundo, já que a recente dissolução da URSS havia acabado com a Guerra Fria.


Outro momento de cunho político marcante na história do Miguel Couto, o atendimento ao capitão Wilson Machado após o Atentado do Riocentro, em abril de 1981, gerou polêmica. Uma foto dele deitado na maca foi vazada e repercutiu na imprensa e no exército. O médico acusado pelo diretor Nova Monteiro de ter tirado a foto foi Fernando Olinto, que processou a Prefeitura posteriormente, sob a alegação de que “todos os médicos que estavam no centro cirúrgico fotografaram o paciente”, como disse ao Jornal do Brasil anos depois. Ele comentou, ainda, que é comum os médicos fotografarem pacientes para estudos e seminários subsequentes.


Na época, o país vivia o governo de João Batista Figueiredo e estava prestes a restabelecer lenta e gradualmente a democracia. Entretanto, alguns radicais ligados ao regime não estavam satisfeitos, e queriam de volta a forte repressão militar, presente principalmente no governo de Emílio Garrastazu Médici. Dois deles – o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Dias Machado – resolveram, então, levar duas bombas para o Riocentro, onde ocorria um show em comemoração ao Dia do Trabalhador.


Para o azar dos militares, algo inesperado aconteceu: os explosivos estouraram quando eles ainda estavam dentro do carro, no estacionamento do Riocentro, por volta das 21h. O sargento morreu, mas o capitão Wilson Machado foi levado imediatamente para o Miguel Couto, como confirma uma anotação do ex-comandante do DOI-Codi Julio Miguel Molinas Dias.


“23h30min — Hospital Miguel Couto...Tá sendo operado, vísceras do lado de fora. Estado grave.”


Maternidade melhora, mas ainda enfrenta problemas


Superlotação e grávidas no corredor. Quem vai à maternidade do Hospital Municipal Miguel Couto não encontra mais esse tipo de problema. Mas as melhorias vão além das aparências. Nos últimos meses, nenhuma grávida foi atendida no corredor e, em 2015, não teve nenhum óbito materno registrado no hospital.


Com 39 leitos de enfermaria, quatro de pré-parto e seis de UTI neo-natal (para bebês prematuros ou com complicações), a maternidade tem conseguido atender a demanda de pacientes. Além disso, a chefe da maternidade, Melissa Alarcon, acredita que a boa integração da rede pública municipal tem ajudado a solucionar o problema de superlotação.


“A gente tem melhorado muito essa questão de paciente no corredor. Nos últimos meses, por exemplo, a gente não teve. A rede pública está muito fortalecida. Existe um link muito forte com as outras maternidades, então quando a gente percebe que vai ficar lotado, nós transferimos a paciente. Isso melhorou muito. Já tivemos muitos pacientes no corredor. Mas agora a rede está muito integrada. ”, afirma Melissa.


Nem sempre foi assim. Em 2009, a maternidade conviveu com diversos problemas de superlotação. O caso mais notório foi o de Manuela Costa, de 33 anos, que chegou ao hospital grávida de sete meses e em trabalho de parto, mas não foi atendida no Miguel Couto porque estava lotado. Em vez disso, o plantonista deu dois comprimidos para aliviar a dor e escreveu no braço de Manuela o nome da maternidade Fernando Magalhães, em São Cristóvão, para onde ela deveria ir e quais ônibus pegar. Após mais de uma hora, a grávida chegou à maternidade, onde fez uma cesariana de emergência, mas seu bebê já estava morto.


A obstetra Jaqueline Montuori, que está há seis meses no Miguel Couto, destaca que é preciso modernizar algumas técnicas e o ambiente físico, como as camas, que são antigas, o pré-parto que ainda é longe da sala de parto, e alguns materiais de tecnologia para que se possa fazer um trabalho de parto melhor e mais confortável. A obstetra disse que o indicado hoje em dia é que o trabalho de parto e o parto propriamente dito sejam feitos no mesmo ambiente e na mesma cama.


Ela afirma que sendo em ambientes diferentes, como é no Miguel Couto atualmente, a equipe tem que identificar o "momento do parir" um pouco antes, porque nem toda mulher tem o controle necessário sobre o corpo para aguentar ir de um lugar para o outro. "Às vezes, é mais intenso, mais forte que ela, e nasce antes. Se ela estiver na cadeira de rodas, nasce na cadeira. Mas se ela estiver em pé, o bebê pode cair no chão, e isso poderia ser evitado com essa modernização do espaço".


Apesar de receber gestantes da Zona Sul, principalmente da Rocinha, e do Rio das Pedras, a maternidade é a menos requisitada da rede municipal. Mas, isso não impede que muitas grávidas sejam transferidas de outros locais para o Miguel Couto, porque, essa e a Maternidade Leila Diniz, do Lourenço Jorge, são as únicas inseridas num complexo hospitalar.


De acordo com Melissa Alarcon, essa é a principal vantagem do hospital, que pode dar todo suporte às pacientes que vão dar à luz. “A maior vantagem dessa maternidade é estar inserida dentro de um complexo hospitalar com toda estrutura pra mãe. Não é incomum a gente receber pacientes complicadas de outras maternidades porque aqui tem CTI, tem cirurgia geral, cirurgia vascular, cardiologia, unidade coronariana. Tem tudo para dar suporte para uma paciente complicada”.


Em média, a maternidade faz 260 atendimentos por mês. Destes, mais de 70% são partos normais. Ela também adotou outras medidas para humanizar o parto, como permitir um acompanhante durante e após o nascimento e o método canguru, em que o bebê fica no colo da mãe.


Projeto voluntário alegra crianças doentes


“Quem casar com a Dona Baratinha? Que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha.”, cantavam os voluntários do projeto Rio de Histórias na emergência pediátrica do Hospital Municipal Miguel Couto. Os olhos de Grazielle, 9 anos, internada há meses, brilharam de animação ao ouvir a música. Timidamente, a menina começou a cantar junto. Com a música, o hospital se tornou um ambiente mais agradável, trazendo conforto e alegria para os internados e suas famílias.


Crianças e bebês doentes, algumas delas entubadas e sem ver o sol por muito tempo, têm seu sofrimento amenizado graças às atividades e músicas cantadas por voluntários do projeto Rio de Histórias. As brincadeiras são adaptadas de acordo com a faixa etária: chocalhos e livros interativos com luzes e sons para bebês; jogos de tabuleiro e livros de colorir para crianças.


“Existem outros projetos em que voluntários pegam os livros e leem para as crianças. Nós nos denominamos contadores de histórias porque, na realidade, a gente trabalha em cima da história.” declara a idealizadora do projeto, Regina Porto. De acordo com Regina, a equipe do Rio de Histórias brinca e interage com a criança, dependendo do estado de saúde dela, incorporando a história contada.


A organização capacita os voluntários a se tornarem contadores de histórias em hospitais para as crianças e adolescentes internados. Há dez anos em funcionamento no Rio de Janeiro, a ONG Rio de Histórias está presente em 22 hospitais e conta com o apoio de 180 voluntários.


O Hospital Miguel Couto, na Gávea, possui seis voluntários representando o Rio de Histórias. Conhecido pela sua referência emergencial, o hospital recebe frequentemente um grande fluxo de crianças e bebês – que são amparados pelo carinho e animação dos voluntários do projeto.


Àqueles que tiverem o interesse em participar da ONG Rio de Histórias, podem se inscrever no site a partir de dezembro. O treinamento consiste em 14 encontros aos sábados de manhã, normalmente no período de fevereiro a agosto. No Rio de Janeiro, as oficinas de capacitação acontecem na Universidade Estácio de Sá. Os pré-requisitos para ser voluntário são: ser maior de 18 anos, saber ler e escrever e ter disponibilidade de tempo para atuar uma vez por semana durante duas horas no hospital.


Sala de traumas será concentrada no primeiro andar


A partir do mês que vem, a sala de trauma no hospital Miguel Couto será toda no primeiro andar equipada com novas macas, promete o diretor da unidade, Cristiano Curcio Chame. A ideia é fazer com que a emergência seja linear, com as salas de tomografia, raio-X e trauma funcionando no mesmo piso. Isso tornará o atendimento mais eficiente e facilitará o paciente lesionado que não pode ficar subindo e descendo escada.


“É muito complicado para os pacientes que estão com traumatismo subir e descer para serem atendidos. O estado deles pode até piorar. Vai ser um ganho incrível para o hospital e para as pessoas”, comenta o diretor.


No procedimento atual, a pessoa que chega com qualquer tipo de fratura é encaminhada ao segundo andar para ter o primeiro atendimento com a equipe médica. Depois, tem que fazer o raio-X ou tomografia no primeiro e, então, é direcionada para o tipo de tratamento específico.


Além desse projeto de deixar a emergência de traumas em apenas um andar, Chame, que assumiu o cargo de diretor do hospital há pouco mais de dois meses, informou também que serão instaladas novas macas. O hospital está passando por outras melhorias. Entre elas estão as reformas dos corredores, obras nas enfermarias e instalação de tomógrafos para a neurocirurgia.


Para Chame, as dificuldades são pontuais que pontuais e ele disse que vai tentar melhorar. Para ele, equipar o centro cirúrgico com máquinas novas irá acelerar o atendimento. E ampliar o espaço das salas de cirurgia, também desafogará o tempo de espera.



No balcão da Emergência, um retrato da cidade

Alexandre  Ribeiro

Aline Gomes Janaue

Ana Luísa Pereira

Ana Patrícia Paiva

Bernardo Macedo Couto

Caio Sartori Gavazza

Catherine Schmid

Clara Freitas

Diego Roman

João Marcos da Silva 

Larissa Fontes

Livia Figueredo Dorigo

Marcus Vinicius Oliveira

Mariana Vianna

Rayanderson Guerra

Sofia Lima

Úrsulla Phyrro 

Yulli Dias 

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